domingo, 23 de novembro de 2008

A viuvez na velhice e suas ressignificações

Por: Andrea Moraes Ribeiro
Prof: Vicente Alves


Introdução


Envelhecer é fato inevitável no curso da vida, pois inicia já com o nascimento e estende-se ao longo dos anos. Independentemente de raça, cor ou gênero, trata-se de um processo inerente a todos os seres vivos, seguindo-se ao longo do tempo e findando com a morte. Já que a morte é uma certeza de que se tem na vida.
A velhice traz consigo inúmeras alterações fisiológicas e comportamentais, mas o acontecimento da perda do parceiro nessa fase de vida pode significar um processo complexo que altere toda a estrutura psicossocial e até fisiológica dos idosos. É consenso entre os tanatólogos que o enfrentamento do luto é influenciado por vários fatores externos e internos ao sujeito, dentre eles, a cultura local e a experiência de vida da pessoa enlutada. Sendo este processo, então, vivenciado e resignificado das mais variadas formas.


Dialogando com alguns autores


De acordo com Doll (2002) a perda do parceiro sempre foi considerada um evento drástico que afetava a psique, a saúde e as relações sociais das pessoas. No entanto este processo não ocorre de forma estática e homogênea entre os indivíduos. A cultura vigente e o contexto social estão fortemente relacionados ás maneiras de enfrentamento do luto, bem como os sentimentos e comportamentos individuais também podem influenciar as formas sociais de luto. De modo que, cada indivíduo pode experimentar de forma singular a perda de um ente querido e entre os idosos este processo não é diferente.

D`Assumpção (2008) aponta que há uma idéia atual de que os idosos aceitem melhor a morte que os jovens. Isto ocorreria pelo fato de terem tido uma vida longa e realizada, por terem maior proximidade com eventos que causam a morte, como as doenças incapacitantes e degenerativas. O idoso passa por um maior número de lutos e numa velocidade maior que os demais grupos etários. Por vezes, a pessoa idosa tem que lidar com a morte do companheiro, amigos, filhos e netos. Podendo não haver tempo de elaboração dessas perdas. De modo que o idoso teria uma maior capacidade de adaptação ao luto, já que convive mais freqüentemente com ele. No entanto, para este autor, na maioria das vezes a dor da perda de um ente querido é mais insuportável que a possibilidade da própria morte.

Corroborando, Doll (2002) afirma que as pessoas mais velhas têm, em geral, mecanismos de controle emocional mais desenvolvido, e, justamente por já ter passado por um número maior de perdas ao longo da vida, podem ter desenvolvido formas mais eficazes de lidar com o luto. Contudo, os idosos são mais vulneráveis tanto física quanto socialmente, e a perda do companheiro de toda uma vida pode significar um desarranjo estrutural sem precedentes.

Para Doll (2002) a viuvez sempre teve uma conotação feminina, sendo principalmente relacionada às mulheres, pois as viúvas sofrem mais as conseqüências, como perda do papel social, diminuição ou perda total da renda e isolamento social. Este último, mais evidente quando a identidade da mulher é fortemente ligada ao marido. Na Idade Média, inclusive, surgiram diferentes tipos simbólicos de viúvas, a viúva alegre, a viúva pobre e a boa viúva. Algumas destas representações presentes até os dias de hoje.

Já entre os homens idosos a perda da companheira pode ser agravada por eventos que geralmente ocorrem nesta fase da vida como, aposentadoria e outras perdas de papéis sociais, o que de acordo com Doll (2002) aumenta os riscos de problemas psicológicos, como a depressão. Pesquisa atual revela que, enquanto as mulheres sentem mais falta do que os maridos representavam para elas, os homens sentem mais falta do que as mulheres faziam para eles, como cuidar da casa e da família, e do valor emocional que este cuidado representava.

A perda de um ente querido pode acarretar manifestações mais variadas possíveis entre os indivíduos, que vão desde a aceitação total da perda, a chamada ausência do luto, até a própria morte da pessoa enlutada. Freud (1917) em seu ensaio sobre a melancolia defende a existência do luto normal e do luto patológico. Para ele, o enfrentamento saudável ou normal do luto passa pela dissolução do vínculo da pessoa enlutada com o ente falecido. Quando isso não ocorre, desenvolve-se o luto patológico. No entanto, atualmente, há uma corrente de pesquisadores que aceitam e incentivam a manutenção dos laços afetivos com o falecido, já que as lembranças dos momentos vividos juntos podem transmitir segurança e força para o que vive.

As reações típicas ao luto são depressão, desespero, angústia, sensação de culpa, raiva dos outros, de si mesmo ou do morto e solidão. Para Doll (2002) a agressividade e a raiva são comuns na primeira fase após a perda do parceiro, no entanto, tendem a diminuir dando espaço para sentimentos de tristeza, de solidão e insegurança quanto à nova vida sem o parceiro. Viver o luto não significa necessariamente doença, mas pode acarretar sérios problemas de saúde, como problemas psicossomáticos, se não trabalhado de forma adequada. Lembrando que o impacto e as conseqüências da perda do companheiro dependerão das condições físicas, psíquicas e sociais anteriores e atuais do enlutado, ou seja, da vulnerabilidade do sujeito. A preexistência de doenças crônicas, condições psiquiátricas e uma estrutura familiar desorganizada podem agravar consideravelmente a experiência do luto. Por outro lado, uma rede de apoio na família, amigos e vizinhos são capazes de aliviar a tensão da perda, já que a pessoa enlutada sente-se confortada em seu sofrimento e em sua singularidade.


A vida após o luto: reaprendendo a viver


Atualmente, o luto é percebido como uma fase comum no percurso da vida, e como tal, a readaptação pode ser possível. Nesta perspectiva, conceitos como resiliência e enfrentamento são usados para compreender os esforços empenhados pelo sujeito para lidar com as demandas do luto. O termo enfrentamento foi introduzido pela psicanálise freudiana, portanto envolve uma conotação de fundo psicopatológico, sendo o luto uma experiência que pode ser tratada e curada por profissionais psicoterapeutas, quando a experiência da perda prolonga-se mais do que o necessário. Mas quem está realmente capacitado para decidir sobre o tempo exato de sofrimento da perda de um ente querido? No caso do idoso, qual o tempo necessário para cortar os vínculos com o companheiro de toda uma vida? E é realmente possível cortar estes vínculos?

Várias críticas são feitas atualmente a este modelo de enfrentamento do luto proposto por Freud (1917) e seguidores. Dentre elas, a necessidade de solução dos vínculos com o falecido. Para Doll (2002), Baldin e Fortes (2008) o companheiro morto pode sim ocupar um novo lugar na vida do sujeito. Todas as lembranças inesquecíveis podem sim ajudar a refazer a vida, apesar da saudade. Neste sentido, o tempo é um forte aliado:

"A passagem transcorrida após a morte do companheiro mostra que o tempo é um “cicatrizante” e que o conformismo não significa mera acomodação, mas um recurso que possibilita às idosas viverem com menos sofrimento, conseguirem superar as dificuldades que poderão surgir na velhice e viverem esta fase com mais qualidade de vida. (Baldin e Fortes, p.48, 2008)"

Neste sentido, readaptar-se significaria a elaboração da perda, vivenciando o luto como um período de transformações. A capacidade do auto-cuidado, o apoio da família e amigos, bem como a construção de um novo projeto de vida, podem ser estratégias positivas na passagem do luto.


Considerações Finais


A Viuvez é um evento dramático na vida das pessoas, e dentre os idosos não é diferente. Talvez pela vulnerabilidade psicossocial e física a que o idoso está exposto este processo seja ainda mais difícil. O que vai definir as conseqüências do luto na vida dessas pessoas é a forma como a perda será elaborada e vivenciada pelo sujeito.

Importante ressaltar que a experiência do luto não é homogênea nem universal. Cada pessoa fará uso dos recursos disponíveis para enfrentamento das demandas, que parecem tão maiores que suas condições de luta. Cada sujeito poderá significar a perda segundo sua singularidade e ressignificá-la de acordo com suas possibilidades. Podendo inclusive sair deste processo mais forte e feliz. Nesta perspectiva, o apoio da família e amigos torna-se imprescindível, já que a percepção de que se é parte integrante de uma família e com uma missão ainda a cumprir pode abrir novos caminhos a serem trilhados na nova fase da vida.



Referências Bibliográficas

Baldin, C. J.; Fortes, V.L.F. Viuvez feminina: a fala de um grupo de idosas. In: RBCEH, Passo Fundo, v. 5, n. 1, p. 43-54, jan./jun. 2008. Disponível em: http://www.upf.br/seer/
Acessado em 21.11.2008.

D’ ASSUMPCÃO, E. O idoso diante da vida e da morte. Academia Mineira de Medicina. (on line). Disponível em www.acadmedmg.org.br . Acessado em 4 de maio de 2008.

Dell´Aqua, G.; Mezzina, R. Resposta à Crise. In. Delgado, J. A loucura na sala de jantar. São Paulo: CCJ, 1991. p.53-79.

DOLL, J. Luto e viuvez na velhice. In: Freitas, E. V. et al. Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 2002. p. 999-1012.

Freud, S. Luto e Melancolia (1917). Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. XIV, p.275-291.

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