domingo, 2 de novembro de 2008

A IMPORTÂNCIA DA FÉ NA SUPERAÇÃO DE DIFICULDADES

Introdução
No transcorrer da vida, existem períodos de bem-estar, estabilidade, no qual se está em meio de situações de crescimento, aprendizado e desenvolvimento. São as chamadas fases produtivas da vida nas quais as pessoas não relatam momentos de crise ou situações problemáticas específicas. Nesses períodos, há disponibilidade e condições, ditas ideais, para superação de pequenas dificuldades e dar conta das tarefas diárias.
Invariavelmente, esses períodos se alternam com outros de desconforto, instabilidade e maiores dificuldades no cotidiano. Esses últimos podem ser decorrentes de doenças, acidentes ou perdas, que demandam uma energia vital extra para enfrentar agruras (internas e/ou externas) e se readaptar frente situações estressantes.
Diante desses momentos de dificuldade, as pessoas, de modo geral, buscam uma maneira de se apoiarem em "algo" maior que as sustentem. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que esse apoio, geralmente, vem da fé/espiritualidade, ou religiosidade, e cada pessoa aciona isso à sua maneira. Pode-se dizer, com tranquilidade, que a espiritualidade-fé/religiosidade, não são instrumentos para as pessoas se livrarem de problemas e sofrimentos que a vida impõe. Se for assim encarada e vivenciada, a favor de uma exclusão dos aspectos ruins da vida, pode gerar desequilíbrios, evitação e até fobia (TRENHOLM et al., 1998).
Redimensionamento, Enfrentmento e Religiosidade
O que a espiritualidade-fé/religiosidade parecem favorecer, é um redimensionamento do problema, alterando a forma de encará-lo e um estímulo para adotar estratégias saudáveis para o enfrentamento de situações adversas.
Alguns autores definem religiosidade como atributos relativos a uma religião específica, diferenciando-a da espiritualidade.
Lukkof (1992), define a religiosidade como adesão a crenças e a práticas relativas a uma igreja ou instituição religiosa organizada; e espiritualidade como sendo uma relação estabelecida por uma pessoa com um ser ou força superior na qual ela acredita.
Já para Spilka e Mcintosh (1996), a religiosidade inclui aspectos individuais e institucionais, enquanto a espiritualidade é um fenômeno apenas individual, identificado com aspectos como transcendência pessoal, sensibilidade “extraconsciente” e fonte de sentidos para os eventos da vida.
Uma pessoa religiosa pode ser definida como sendo aquela que possui crenças religiosas e que valoriza, em alguma medida, a religião como instituição. Já uma pessoa espiritualizada é aquela que acredita, valoriza ou tem devoção a algum poder considerado superior, mas não necessariamente, possui crenças religiosas ou é devoto de alguma religião institucionalizada (Worthington, Kurusu, McCullough, 1996).
O modelo teórico de estresse e enfrentamento denominado Modelo Interativo do Estresse, define enfrentamento como “esforços cognitivos e comportamentais voltados para o manejo de exigências ou demandas internas, que são avaliadas como sobrecarga aos recursos pessoais”. De acordo com esse modelo, a seleção das respostas de enfrentamento diante de situações estressantes sofre a mediação de avaliações cognitivas (Folkman, Lazarus, Gruen & De Longis, 1986, p. 572). Pargament (1997), também defende a importância em se considerar que os eventos são enfrentados pelas pessoas de acordo com os significados que têm pra si. O que torna uma experiência estressante, não é o evento em si, mas as avaliações que as pessoas fazem da situação.
Corroborando com essa afirmativa, Lazarus & Folkman (1984), afirmam que o estresse é uma variável múltipla e um inevitável aspecto da vida. O que diferencia as pessoas é a maneira como manejam o estresse, processo conceituado como coping (palavra inglesa sem tradução literal em português, podendo significar "lidar com", “manejar”,"enfrentar" ou "adaptar-se a"). Estratégias religiosas de coping foram verificadas por Siegel & cols. (2001) especialmente diante de situações de crise, tais como: problemas relacionados à saúde e ao envelhecimento, tipos doença, incapacidades e morte; por Park & Cohen (1993) em casos de perda de entes queridos e guerras (Pargament & cols., 1994). Estas estratégias podem ser classificadas em positivas e negativas, conforme as conseqüências que trazem para quem as utiliza.
É difícil distinguir quando a religiosidade é ajuda ou obstáculo ao alcance de resultados adaptativos no processo de enfrentamento (Pargament et al, 1998).
No âmbito da promoção da saúde e prevenção das doenças, Dull e Skokan (1995), afirmam que as crenças religiosas tanto podem favorecer a adoção de comportamentos saudáveis, como a não adesão a prática preventivas, devido ao desenvolvimento de um otimismo irrealista de proteção Divina, ou seja, se tenho fé, Deus está me protegendo. Em relação à enfermidades já instaladas, a religiosidade permite à pessoa atribuir significados aos eventos, compreendendo-os como parte de um propósito ou projeto mais amplo, partindo-se da premissa de que nada ocorre ao acaso e que acontecimentos da vida são determinados por um Ser superior.
Ao revisar a literatura sobre prevalência de enfrentamento e religiosidade, Pargament (1997) concluiu que nem todas as pessoas usam estratégias relativas à religiosidade em seu processo de enfrentamento, sendo mais propensas a utilizá-las aquelas cujas crenças e práticas religiosas são parte relevante de seus valores e orientação geral no mundo.
No entanto, a religiosidade e a espiritualidade desde sempre, têm sido consideradas importantes aliadas das pessoas que sofrem e/ou estão doentes.
Segundo a definição de Ross (1995) acerca da dimensão espiritual, esta depende de três componentes: necessidade de encontrar significado, razão e preenchimento na vida; necessidade de esperança/vontade para viver; necessidade de ter fé em si mesmo, nos outros ou em Deus. A necessidade de significado é considerada uma condição essencial à vida e, quando um indivíduo se sente incapaz de encontrar um significado, sofre em função de sentimentos de vazio e desespero.
Assim, o construto espiritualidade/ religiosidade tem um valor intrínseco e oferece um referencial de significados para o enfrentamento nas situações de dificuldades.
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Referências Bibliográficas
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