quarta-feira, 29 de outubro de 2008

A morte do idoso
A preocupação de toda pessoa é a angústia do passar do tempo e o medo da morte. A história humana pode ser contada de acordo com a sociedade que vivenciou a morte em diferentes períodos; diferentes tempos e espaços, pois a cultura influencia assim como são marcadas no tempo.
Buscam-se fórmulas novas para retardar o envelhecimento, vendem-se ilusões de resgatar a juventude por meio de cosméticos e cirurgias plásticas, mas inevitavelmente chegará o momento que nada será suficiente para evitar a morte. Loureiro (...) lembra que o homem sabe que é mortal, mas inconscientemente se comporta imortal, pensa que quem morre é o outro e se esquece que a única certeza que temos é a da morte. Loureiro (2004) relata que todos se preocupam com a proximidade da morte, fazendo-os buscar formas de vencer o tempo. Imaginam-se eternos mesmo sabendo serem finitos.
Ariès (1977) historiador francês estudou a morte por 15 anos de sua vida. Segundo o mesmo, as mudanças de comportamento relacionadas à morte são muito lentas, com longos períodos de estabilidade. Segundo ele, nas sociedades primitivas, a morte era domada, Isto é, pensava-se que o moribundo sabia que ia morrer. E ninguém morria sem ser avisado por alguém ou por convicção, pressentimento.
Ariès (1977) relata que a partir do século XVIII, a morte se tornou dramática passando a ser encarada como se o homem tivesse sua vida roubada de si e de sua família, iniciando assim o culto aos cemitérios e luto exagerado colocando a família como personagem principal, quando não se temia a própria morte, mas a do outro.
A partir do século XX, mais precisamente em meados de 1930, a morte foi se tornando um tabu, em que os familiares escondiam do moribundo sua real gravidade. E a morte se mudou para os hospitais. Burlá (In: FREITAS 2006) relata que “Neste processo tem surgido novas condições clínicas, específicas de pessoas mais velhas, e novas ‘formas de morrer”. Já não se morre mais em casa, rodeado pelos amigos e parentes como outrora, mas no hospital, sozinho (ARIÈS, 1977). E os pacientes são condenados a internação por meses ou até anos de vida vegetativa, ligados a tubos e aparelhos, usados como instrumentos de desafio à morte. A civilização ocidental passa então a esconder a morte, evitando falar sobre ela. Como conseqüência, a atitude mais adequada para lidar com a morte de um ente querido seria fingir que nada aconteceu, que nada mudou, contribuindo, dessa forma, para o medo diante da morte, do desconhecido.
E o autor denomina essa representação da morte de morte invertida, por ocorrer uma inversão nas características da morte, nas quais ela necessita passar despercebida, não sendo mais considerado um fenômeno natural do ser vivo, e sim, um fracasso. Tal representação leva a uma negação, a uma não aceitação da morte e a uma falsa sensação de que viveremos eternamente, aumentando, assim, o medo diante da morte.
Quanto aos familiares e amigos, não lhes é permitido sofrer em público. Beauvoir (1986) relata que com a desculpa dada pelos outros de que precisamos ficar sozinhos para lidarmos com a perda e se choramos e sofremos por muito tempo as pessoas nos orientam a procurar um psiquiatra.
Neri & Sommerhalder (2002) lembra que nas cidades grandes temos pouco tempo e espaço para cultivar relacionamentos ou pensar sobre o sentido da velhice e da morte.
A morte é uma certeza para cada ser vivo, mas muitas pessoas vivem como se fossem eternos, se constituindo um grande mistério a sua atitude diante da mesma porque o homem não imagina a sua morte, apenas a do outro. O paciente tem receio da circunstância que será a sua morte.
Burlá (In: FREITAS, 2006) observa que o paciente tem medo da dor, de morrer só ou de incomodar seus familiares, de ser enterrado vivo e lembra-se da importância de conversar com ele e ouvir suas expectativas, porque, existe um medo maior de como será o processo de morrer do que com a morte propriamente dita.
A dor é um desconforto singular que varia de pessoa para pessoa e que se converte em medo da morte. A doença grave é sempre lembrada como prenúncio da morte. Albuquerque (2003) relata que ser doente significa sofrer e sofrer significa ser passivo e sentir desconforto que varia de intensidade.
Segundo Morin (1997) só existe dor provocada pela morte se há proximidade do morto, se é íntimo, familiar, amado ou respeitado, se o morto for desconhecido não existe nenhuma ou quase nenhum sentimento de dor.
É preciso esquecer por instantes, ao menos nestes últimos instantes, a frieza do hospital ao que estão acostumadas por ofício, e condicionar, como diz Py (2004), uma presença de amorosidade ao lado de toda a eficiência e competência profissional que, na verdade, só será realmente competente e eficiente, quando ao lado de uma titulação/qualificação existir nela a humanidade e solidariedade; existir uma pessoa humana que com outro humano interage em situação desigual de vida e de morte. Entender sentimentos, costumes, cultura e crenças do ser que está morrendo sob seus cuidados são fundamentos a serem exercitados.
O homem rejeita a morte e preenche essa certeza com mitos que são pensamentos construídos pelo imaginário; Conforme Morin (2000) explica: o homo sapiens é acometido pela morte como se esta fosse uma catástrofe irremediável, que traz angústia e horror e assim ela é vista como um problema vivo.
Biologicamente, a morte é um evento que finda uma vida. Ocorre quando um órgão essencial deixa de realizar funções vitais. Segundo Lunardi et al, (2001), a morte é um evento capaz de despertar tantos sentimentos no indivíduo que está morrendo quanto nos que estão à sua companhia. Loureiro (1993), afirma que foi demonstrado em pesquisas que o medo de morrer diminui com a idade, devido a alterações dos lobos frontais do cérebro.
Metchnikoff, o primeiro grande cientista que declarou guerra à morte. Pensava em preparar soros capazes de estimular e então regenerar as células nobres do organismo, pois tais soros seriam os verdadeiros rejuvenescedores do indivíduo Segundo ele, sabendo-se que um agente tóxico manifesta uma ação estimulante se empregado em pequena dose, então propôs o emprego de soros citotóxicos. Porém ele não conseguiu descobrir a dosagem exata e teve problemas com a lei francesa com relação à pesquisa. (MORIN, 1997).
Convém nos lembrar que um único ser vivo foi capaz de sobreviver até hoje, durante dois bilhões de anos. E este ser vivo está presente em cada um de nós, em todos os seres vivos do mundo. Mas essa herança da primeira célula se deveu à sua evolução, multiplicação e mutação. Morin (1997) lembra que o ser vivo não pôde resistir à morte senão evoluindo e que evoluir significa perder algo de sua identidade. Portanto o homem só pode escapar da morte aceitando a metamorfose, ou seja, numa morte-renascimento. A velhice e a morte estão inscritas na herança genética. Portanto a velhice e a morte ocorrem em conseqüência do ciclo vital da diferenciação celular. Burlá (In: FREITAS, 2006) afirma que “Reconhecer o processo de morrer é tão importante como dar um diagnóstico”.
A questão mais interessante da origem da vida é a origem da morte. Morin, (1997) lembra que, quanto mais especializado é um organismo vivo, mais se reduzem as possibilidades de regeneração biológica, pois apenas os tecidos vulgares são passíveis de regeneração, assim um anfíbio como os sapos podem regenerar um membro amputado enquanto que um vertebrado superior está condenado a morrer ou continuar deficiente, pois as células nervosas, que são o tipo celular mais diferenciado perdem rapidamente a capacidade de reprodução. Parece então que a morte é o preço da especialização, da perfeição.
Ariès (1977) conta que na antiguidade existia um ritual diante da morte. O moribundo era avisado por convicção ou signos naturais, que estava prestes a morrer. Então eram tomadas as providências, reunia-se a família e amigos, lamentavam, choravam e pedia perdão aos amigos e familiares, que teria de responder: “Eu te perdôo aqui e perante Deus” e inclinavam um para o outro e o moribundo recomendava a Deus os vivos e escolhia sua sepultura. Fazia uma prece composta de duas partes: a culpa – “Deus, minha culpa, por tua graça, por meus pecados...” confessa sua culpa de mãos juntas e elevadas para o céu, roga a Deus que lhe dê o paraíso. A segunda parte da prece é chamada de commendatio animae também chamadas de recommendaces: “ Verdadeiro pai, que nunca mentiste, tu que chamas de volta Lázaro de entre os mortos, tu que salvas Daniel dos leões, salva minha alma de todos os perigos...” e então recebia a absolvição sacramental , o Libera, onde incensava e aspergia água benta, pelo padre após a confissão.
Atualmente não se tolera a morte do outro, se esconde a verdade do enfermo e o moribundo confia, nos que os cercam. Segundo Ariès (1977), Entre 1930 e 1950 ocorreu o deslocamento do lugar da morte. Já não se morre em casa, mas no hospital, sozinho.
O hospital tornou-se o local onde se presta os cuidados que não se pode prestar em casa. Segundo Ariès (1977), antigamente existia apenas o asilo dos miseráveis e peregrinos, que posteriormente tornou-se um centro médico, onde se cura o onde se luta contra a morte. Começa então a ser considerado um tipo de hospital, o lugar privilegiado para a morte. A partir daí morre-se no hospital porque os médicos não conseguiram curar.
Na idade média a morte era pública, enquanto que nas sociedades modernas a morte é vista como um dos maiores perigos da vida do indivíduo. Ela vai sendo empurrada para os bastidores da vida social (ELIAS, 2001).
Ariès (1977) conta que a assistência diante da morte era igual à de nascer, precisava de cuidados. A morte era esperada e cuidada com atenção. Por muitos séculos se morreu com a prática de rituais que davam ao moribundo a ilusão de continuarem ligados a esse mundo, se esquecendo da angústia diante da morte.
Segundo Kubler Ross (1987, p. 278) o paciente em fase terminal necessita de cuidados especiais, mas o mais importante é ouvi-lo e observar o moribundo em silêncio. Agindo assim pode se perceber um cessar em paz. A autora diz que: “Observar a morte em paz de um ser humano faz-nos lembrar uma estrela cadente. É uma entre milhões de luzes do céu imenso, que cintila por um breve momento para desaparecer para sempre na noite sem fim”. Sendo a morte inevitável e imprevisível, deveríamos expressar nossos sentimentos diante das pessoas que amamos. Apreciar a beleza da natureza, das flores, como se nunca mais pudéssemos vê-las novamente.

Nenhum comentário: