terça-feira, 9 de dezembro de 2008

ENVELHECER: UMA QUESTÃO DE ATITUDE

Virginia Satuf Silva Vieira.

“O mundo sofre de infantilismo. Em parte, a culpa é da publicidade.
Para ela, o homem ideal é um jovem ou quem sabe uma criança de peito.
Em troca, se envergonha dos velhos que, em outras épocas,
simbolizavam experiência e sabedoria”.
Milan Kundera

José Geraldo de Brito Filomeno definiu assim o que seria cidadania: "Poderíamos conceituar cidadania como a qualidade de todo ser humano, como destinatário final do bem comum de qualquer Estado, que o habilita a ver reconhecida toda gama de seus direitos individuais e sociais, mediante tutelas adequadas colocadas à disposição pelos organismos institucionalizados, bem como a prerrogativa de organizar-se para obter esses resultados ou acesso àqueles meios de proteção e defesa."
Entende-se como cidadania o ato de comprometer-se com os valores universais da Liberdade e da Vida condicionados pela Igualdade. A cidadania pressupõe o desenvolvimento de valores éticos que se objetivam nas seguintes virtudes cívicas: solidariedade, tolerância, justiça e valentia cívica, engendradas na relação da vida pública e vida privada.
No caso específico do idoso a dimensão de liberdade e conseqüentemente, o exercício da cidadania, depende da criação de condições favoráveis à manutenção de seu poder de decisão, escolha e deliberação. Tais condições serão efetivadas quando a sociedade perceber que precisa mudar seu comportamento em relação ao envelhecimento.
Infelizmente, como afirma Simone de Beauvoir, a classe dominante adota a posição cômoda de não considerar os velhos como homens: "se lhe ouvíssemos a voz, seríamos obrigados a reconhecer que é uma voz humana. "Na etapa da velhice, é comum observarmos que as pessoas que cercam o idoso, freqüentemente têm atitudes que contribuem para que ele vá perdendo a sua autonomia. Uma das piores formas de exclusão do idoso é seu isolamento em casa ou seu asilamento e na maioria das vezes a família, seguida pela sociedade e o Estado, aparece como principal responsável pela expropriação da autonomia do idoso.
O que ocorre é que muitas pessoas tem dificuldade em perceber que a velhice é mais que uma simples seqüência de anos e acontecimentos. A vida do idoso não se resume ao tempo de sua juventude, não se resume às suas lembranças. A vida do idoso continua e sua história pessoal se cruza com as histórias de outras pessoas, independente da idade. Assim, "o homem não está no tempo é o tempo que está no homem."
Não se fica velho aos 60 anos. O envelhecimento é um processo natural que ocorre ao longo de toda a experiência de vida do ser humano, por meio de escolhas e de circunstâncias. O preconceito contra a velhice e a negação da sociedade quanto a esse fenômeno colaboram para a dificuldade de se pensar políticas específicas para esse grupo. Ainda há os que pensam que se investe na infância e se gasta na velhice. Deve ser um compromisso de todo gestor em saúde compreender que, ainda que os custos de hospitalizações e cuidados prolongados sejam elevados na parcela idosa, também aí está se investindo na velhice “Quando o envelhecimento é aceito como um êxito, o aproveitamento da competência, experiência e dos recursos humanos dos grupos mais velhos é assumido com naturalidade, como uma vantagem para o crescimento de sociedades humanas maduras e plenamente integradas” (Plano de Madri, Artigo 6º).
O Brasil envelhece de forma rápida e intensa. No Censo de 2000, contava com mais de 14,5 milhões de idosos (IBGE, 2002), em sua maioria com baixo nível socioeconômico e educacional e com uma alta prevalência de doenças crônicas e causadoras de limitações funcionais e de incapacidades (Lima-Costa et al, 2003; Ramos, 2002). A cada ano, 650 mil novos idosos são incorporados à população brasileira (IBGE, 2000). Essa transição demográfica repercute na área da saúde, em relação à necessidade de (re)organizar os modelos assistenciais (Lima-Costa & Veras, 2003). A maior causa de mortalidade entre idosos brasileiros é o acidente vascular cerebral (Lima-Costa et al., 2000). Na transição epidemiológica brasileira ocorrem incapacidades resultantes do não-controle de fatores de risco preveníveis (Lima-Costa et al., 2003).
Uma importante conseqüência do aumento do número de pessoas idosas em uma população é que esses indivíduos provavelmente apresentarão um maior número de doenças e/ou condições crônicas que requerem mais serviços sociais e médicos e por mais tempo (Firmo et al, 2003). Isso já pode ser notado, uma vez que a população idosa, que hoje representa cerca de 9% da população, consome mais de 26% dos recursos de internação hospitalar no SUS (Lima-Costa et al, 2000). Além disso, é notável a carência de profissionais qualificados para o cuidado ao idoso, em todos os níveis de atenção. Outro fato importante a ser considerado é que saúde para a população idosa não se restringe ao controle e à prevenção de agravos de doenças crônicas não-transmissíveis. Saúde da pessoa idosa é a interação entre a saúde física, a saúde mental, a independência financeira, a capacidade funcional e o suporte social (Ramos, 2002).
Nos últimos 60 anos, o número absoluto de pessoas com 60 anos ou mais de idade aumentou nove vezes (Beltrão, Camarano e Kanso, 2004). Não só a população brasileira está envelhecendo, mas a proporção da população “mais idosa”, ou seja, a de 80 anos ou mais de idade, também está aumentando, alterando a composição etária dentro do próprio grupo. Significa dizer que a população idosa também está envelhecendo (Camarano et al, 1999). Em 2000, esse segmento representou 12,6% do total da população idosa brasileira. Isso leva a uma heterogeneidade do segmento idoso brasileiro, havendo no grupo pessoas em pleno vigor físico e mental e outras em situações de maior vulnerabilidade (Camarano et al, 2004).
O envelhecimento é também uma questão de gênero. Cinqüenta e cinco por cento da população idosa são formados por mulheres. A proporção do contingente feminino é tanto mais expressiva quanto mais idoso for o segmento. Essa predominância feminina se dá em zonas urbanas. Nas rurais, predominam os homens, o que pode resultar em isolamento e abandono dessas pessoas (Camarano et al, 2004; Camarano et al, 1999; Saad, 1999).
Cumpre notar que os idosos são potenciais consumidores de Serviços de Saúde e de Assistência. Esse grupo sabidamente apresenta uma grande carga de doenças crônicas e incapacitantes, quando comparado a outros grupos etários (Lima-Costa et al, 2003a; Lima-Costa et al, 2003b; Caldas, 2003). Disso resulta uma demanda crescente por serviços sociais e de saúde (Lima-Costa & Veras, 2003).
Incapacidade funcional e limitações físicas, cognitivas e sensoriais não são conseqüências inevitáveis do envelhecimento. A prevalência da incapacidade aumenta com a idade, mas a idade sozinha não prediz incapacidade (Lollar & Crews, 2002). Estudos brasileiros de base populacional em idosos apontam a existência de incapacidade entre idosos em cifras que variam de 2 a 45% dos idosos (Giacomin et al., 2005; Duarte, 2003; Lima-Costa, 2003; Rosa et al; 2003), dependendo da idade e do sexo.
Assim, torna-se imprescindível incluir a condição funcional ao se formularem políticas para a saúde dos idosos e responder, prioritariamente, às pessoas idosas que já apresentem alta dependência.
Envelhecer, portanto, deve ser com saúde, de forma ativa, livre de qualquer tipo de dependência funcional, o que exige promoção da saúde em todas as idades.
Com a perspectiva de ampliar o conceito de “envelhecimento saudável”, a Organização Mundial da Saúde propõe “Envelhecimento Ativo: Uma Política de Saúde” (2005), ressaltando que o governo, as organizações internacionais e a sociedade civil devam implementar políticas e programas que melhorem a saúde, a participação e a segurança da pessoa idosa. Considerando o cidadão idoso não mais como passivo, mas como agente das ações a eles direcionadas, numa abordagem baseada em direitos, que valorize os aspectos da vida em comunidade, identificando o potencial para o bem-estar físico, social e mental ao longo do curso da vida.
Todo profissional deve procurar promover a qualidade de vida da pessoa idosa, quando chamado a atendê-la. É importante viver muito, mas é fundamental viver bem. Preservar a autonomia e a independência funcional das pessoas idosas deve ser a meta em todos os níveis de atenção.
Ficam estabelecidos, portanto, os dois grandes eixos norteadores para a integralidade de ações: o enfrentamento de fragilidades, da pessoa idosa, da família e do sistema de saúde; e a promoção da saúde e da integração social, em todos os níveis de atenção.
Entre a política do “aparthied”, do racismo ilimitado dos anos 60 nos EUA e a eleição histórica do primeiro presidente negro do referido país, já se passaram 48 anos. Quanto tempo será necessário esperar até que políticas de atenção ao idoso possam sair do papel e virem a se concretizar?
Hoje, após esta imersão no universo do idoso através do Mestrado de Gerontologia da UCB,e pela rica experimentação das vivencias profissionais dos professores Vicente e Liz, somadas ainda a intensa troca de idéias e pensamentos das alunas desta cadeira especifica ,oriundas de diferentes áreas da saúde, tenho a certeza de que muito poderemos realizar,de forma multidisciplinar no cuidado e atenção do idoso. Mesmo neste micro-sistema no qual estamos inseridos, em nossas atividades básicas diárias de atuação, dependerá somente de nossas iniciativas e ações, fazer a diferença deste contexto. Atitude já!! Vamos a luta!!.

“O tempo não faz concessões”.(Rachel de Queiroz)

Bibliografia
BEAUVOIR, Simone de. A Velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1990.
BRITO FILOMENO, José Geraldo. Manual de Teoria Geral do Estado e Ciência Política. São Paulo: Forense Universitária. 1999
Envelhecimento, ética e cidadania
Pérola Melissa Vianna Braga 08.2001.

PORTARIA Nº 2.528 DE 19 DE OUTUBRO DE 2006.
Aprova a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa.

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